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O que pode ligar Cristiano Ronaldo a Pelé? A história de Morais
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UOL Esporte

Por Luís Aguilar

Estamos na Copa do Mundo de 1966, em Inglaterra. As seleções de Portugal e Brasil se enfrentam na última rodada da fase de grupos. Os brasileiros precisam vencer para passar à fase seguinte e todos aguardam um grande duelo entre Eusébio e Pelé. Mas o jogo fica marcado por outro duelo. Entre Pelé… e Morais. O jogador do Sporting tinha a missão de marcar o “Rei”. Perseguiu-o por todo o campo sem deixá-lo respirar. Até ao momento fatídico…

“Foi uma jogada normal e eu tive a infelicidade de estar atrás dele. O nosso capitão [Coluna] disse-me para não o largar, para não o deixar passar. Era um jogo entre seleções e eu era português. Olhando para trás, reconheço que tinha poucas alternativas. Pareceu-me ver a bola e estiquei a perna. Sim, talvez tenha sido em tesoura. Mas nada de anormal. Nada que não se faça hoje muito pior”, lembrou Morais numa entrevista ao jornal português “Record”, em 2000, dez anos antes de falecer.

A verdade é que aquele lance imortalizou Morais na história do futebol como o homem que quebrou o “Rei”. Muitos torcedores brasileiros garantem que a seleção de Eusébio apenas ganhou aquele jogo porque Morais lesionou Pelé, mas quem estava em campo tem outra versão.

“Pelé deixou Morais sem sentidos”

José Augusto, velha ídolo do Benfica, foi um deles. Falei com ele para me contar o que se tinha passado. Não tem dúvidas em afirmar que a história sempre foi mal contada por Pelé e pelos brasileiros: “O Morais não lesionou o Pelé na Copa do Mundo de 1966. O Pelé já vinha lesionado do Brasil. Eles tentaram recuperá-lo, aos poucos, como nós estamos agora a tentar fazer com o Cristiano Ronaldo, mas nunca conseguiram. Vimos o que ele fez nos jogos anteriores e percebíamos que não era o Pelé que nós conhecíamos. Notava-se que não estava bem.”

Augusto também lembra que Pelé tinha levado uma pancada forte no jogo de estreia, quando o Brasil venceu a Bulgária, e ficou ainda pior. “Com o Morais foi um lance de bola dividida, perfeitamente normal. E sem intenção. Daqueles em que quem chega primeiro à bola, leva cacetada. O Pelé chegou primeiro e foi tocado.” O resto, para Augusto, são “desculpas de quem perde”. “Eles dizem que foram derrotados apenas por causa do lance entre o Morais e o Pelé, mas quando isso aconteceu já estávamos a ganhar por 2 a 0.”

À época não se podiam fazer substituições – as mesmas só foram introduzidas na Copa de 1970 – e Pelé voltou ao jogo sem ser capaz de lutar pela virada, mas pronto para acertar contas com o seu marcador direto, como recorda Augusto. “Deu uma cacetada na cara do Morais e deixou-o sem sentidos. Foi vingativo!”

“Te mato, veado!”

O próprio Morais lembrou esse momento por diversas ocasiões. Assim que Pelé caiu, terá feito a ameaça ao defesa português: “Te mato, veado.” Quando voltou ao jogo, quis cumprir a promessa: “Ele disse-me que me iria golpear e o fez. Nunca se sabia de que lado vinha e só me lembro de receber uma cabeçada no maxilar que me fez desmaiar. Fiquei deitado e sem sentidos durante alguns segundos e a primeira coisa que disse foi ao senhor Manuel Marques [massagista] para ver se ainda me restavam os dentes.” Estava tudo no lugar. Morais conservou a dentadura e Portugal venceu o Brasil por 3 a 1, com dois gols de Eusébio e um de Simões.

Mas essa não foi a única aventura de Morais na Copa de Inglaterra. Quem o conheceu diz que era um verdadeiro personagem. Sempre divertido e esperto diante das oportunidades de negócio. Foi o que fez nessa Copa: “Antes do jogo de estreia, contra a Hungria, o Morais calçou uma chuteira de cada marca para poder receber dinheiro de ambas. Primeiro, fechou acordo com a Puma. Depois, acertou tudo com a Adidas. Só reparei no vestiário, depois do jogo. E a verdade é que ele safou-se. Recebeu dos dois lados.”

No Brasil, Morais ficou conhecido como o jogador que lesionou Pelé em 1966. Mas, em Portugal, é lembrado por um momento diferente. Foi o autor do gol com que o Sporting venceu o MTK de Budapeste na final da Recopa de 1964. Até hoje, esse é o único título europeu do clube. O momento de inspiração ficou para sempre conhecido como “o cantinho do Morais”. Uma forma bem mais bonita de ser recordado.

Luís Aguilar é um jornalista e escritor português. Tem trabalhado em diversos jornais, revistas e televisões, destacando-se o jornal português Record, Correio da Manhã, revista Sábado, Playboy, CMTV e SIC. Também é autor de vários livros sobre futebol, entre os quais o recente “Jogada Ilegal”, sobre a corrupção na FIFA. No Twitter, @LuisAguilar__


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