Planeta Copa

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‘Decime que se siente’ em participar da festa da Argentina
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UOL Esporte

Por Fernando Moura*

A migração argentina continua. A onda azul e branca veio do sul como uma onda polar comum no inverno brasileiro, chegou ao Brasil, foi até o Rio de Janeiro, recuou para Belo Horizonte e Porto Alegre e agora está chegando a São Paulo para mais uma vez fazer barulho empurrando a seleção da Argentina contra a Suíça no Itaquerão.

Na primeira coluna do Planeta Copa falamos que talvez este seria o Mundial da participação cidadã. Porque muitos argentinos deveriam vir ao Brasil para sentir o clima, sentir como é possível ser “local” na terra do vizinho, cruzando a fronteira de bandeira em punho não para conquistar, mas sim para ganhar. É isso está se concretizando.

Estive em Porto Alegre na última quarta-feira, 25 de junho de 2014. Aos 41 anos sou um homem de muito futebol e muitas viagens mundo afora pela bola, como torcedor, como jornalista e como produtor geral de transmissões da Fifa, mas a sensação da manhã de quarta em Porto Alegre vai ficar guardada na memória.

Foi uma manhã, uma tarde, uma noite de participação popular, de participação cidadã que tomou conta dos argentinos e de muitos habitantes da capital gaúcha que saíram às ruas para ver, participar e até comemorar a alegria de um povo irmão.

O acolhimento do povo gaúcho me marcou. Paz, harmonia e muita admiração pela horda simpática e musical que tomou a cidade. Argentinos dormindo nas ruas, em praças, em carros, em postos de gasolina, na rodoviária, no aeroporto, onde fosse possível. Eram argentinos que queriam participar da festa. Participaram, e como. Às 3 da madrugada as ruas da cidade velha estavam lotadas de argentinos cantando e saltando…

Descrever o fenômeno é difícil por dois motivos: pelo tamanho dele, porque, volto a confessar, fui tomado pela paixão e a força de um povo feliz pela vitória e, sobretudo, por “participar”.

Esta talvez seja a maior migração da história ao país vizinho. Migração temporária, mas que ficará na memória de muitos argentinos, e claro, de muitos gaúchos. Dizem os estudiosos das migrações contemporâneas que o ato de emigrar é parte de um sonho coletivo, familiar. Que se emigra por esperança, por laços familiares, por redes sociais. Se emigra como parte de uma planificação que tende a melhorar a vida.

Tudo isso pareceu que esteve implícito em Porto Alegre. Milhares de gaúchos argentinos tomaram por assalto a capital gaúcha brasileira. Um assalto simbólico, uma migração curta, mas duradora na alma de muitos e muitas.

O fenômeno não é simples. Este é um movimento que se foi criando no inconsciente coletivo dos argentinos desde que foi anunciado que o Mundial seria no Brasil, na casa da sogra. Um sonho que, como o futebol, está envolvido de pura paixão, e que ainda acontece ao lado, no país vizinho.

O futebol na Argentina se sente no sangue, na pele, faz parte do dia-a-dia das pessoas, das famílias, dos grupos de amigos. Por isso neste Mundial as histórias de migrações temporárias se multiplicam por milhares e são fantásticas. Desde gente que chegou de bicicleta até quem viajou 4000 quilômetros de carona. Desde sujeitos que deixaram as suas mulheres após a lua-de-mel e outros que tentaram salvar o namoro pedindo em casamento as suas “ex-namoradas” pela TV.

Tudo isso porque o importante é participar. É estar com ou sem ingresso – a esmagadora maioria sem. É cruzar a fronteira e fazer parte da festa, da festa do futebol. E, como Argentina ganhou, passou às oitavas de final com Messi brilhando, muitíssimos, dentro e fora do Beira-Rio se ilusionaram, começaram a imaginar ver o quarteto de ataque argentino despontando para uma linda exibição nesta terça-feira, 1º de julho, no Itaquerão.

E por isso, a migração argentina agora está se dirigindo para o Sudeste, para São Paulo. Uma migração pacífica, mas barulhenta, com muita gente sem ingressos, mais uma vez a esmagadora maioria, mas com fé, com bombo e muita garganta, porque como diz a música… “decime que se siente tener en casa a tu papa!” O que acontecerá, como segue o road movie e a caravana é difícil de imaginar, o que se pode vaticinar é que se passar as quartas, ela continuará rumo a capital, rumo a Brasília, e sabe Deus até onde poderá rumar. O que este jornalista pode pressupor, se é que lhe é permitido inferir a um jornalista, é que a paixão não vai parar…

*Fernando Carlos Moura, nascido em Escobar, província de Buenos Aires, é jornalista desde 1990. Trabalhou em diversas rádios, jornais e emissoras de TV argentinas. Na Europa, trabalhou na SIC, TVI e RTP2 de Portugal e cobriu diversos campeonatos internacionais pela MediaPro/MediaLuso na Europa e no Golfo Pérsico.


É hora de Messi se tornar um herói argentino
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UOL Esporte

Por Fernando Moura*

“Pai! Olha o Messi!”. Esta foi a frase mais instigante de 15 dias em Buenos Aires antes da Copa acompanhando a esposa em reportagem. A minha filha, 3 anos e pouco, brasileira, esteve uns dias na capital portenha e não escapou da super-exposição do 10 da seleção argentina, tanto que já reconhece a Lionel Messi.

Assim, há poucos dias do início do Mundial, Buenos Aires e as grandes cidades da Argentina começam a vestir-se de “celeste y blanco”. Aos poucos as discussões sobre os motivos pelos quais Alejandro Sabella, técnico da equipe argentina não convocou a Carlitos Tevez, da Juventus, vão ficando para trás e em bares, restaurantes, cafés, escolas, escritórios, esquinas, o que se pensa, se fala, se gesticula e prognostica neste momento é como será a estreia no Mundial contra a Bósnia no mítico Maracanã.

Como já falamos no Planeta Copa, a Copa sem Maradona, mas no Brasil, tem condimentos, e muitos. Os mais novos andam, apesar do frio intenso, com a camisa do Messi e muitos já penduraram bandeiras nas janelas, colocaram autocolantes nos carros e lojas. As ruas de Buenos Aires têm Lionel Messi em todo lado, parece onipresente, aparece em outdoors de venda de aparelhos de TV, telefones, roupa esportiva, e até o avião que levará ao time até o Brasil foi pintado com as cores da seleção e foi estampada a cara do ídolo. Segundo os teóricos da comunicação, os publicitários argentinos perderam a criatividade, segundo os mais jovens, isso acontece – simplesmente – porque Messi é o melhor do mundo.

Mas o ídolo Messi é um ídolo diferente, porque por estas terras não é um ídolo indiscutido, unânime. Como em quase tudo, os argentinos divergem os dizeres sobre o “baixinho” que saiu de Rosário, província de Santa Fé, quando era um moleque para se curar de um problema de crescimento em Barcelona, Espanha, e lá ficou, se fez homem e o melhor jogador do mundo em várias ocasiões.

Para os argentinos, o Lionel Messi é um grande jogador, a questão é saber se ele, a diferença do mítico Maradona, sente realmente a “camisa”. Se ouve em todo lado, “Messi precisa jogar na Argentina para entender o rigor do jogo e depois ser o melhor do Mundial”.

Para o argentino, ganhar é importante. Mas, mais importante ainda – e isso deve-se a uma herança italiana – é que o jogador corra, transpire, se jogue no chão, tenha garra e, sobretudo, amor às suas cores. E nisso o Messi criado na Catalunha é diferente, tão diferente como quando pega a bola e a coloca junto ao pé, nesse momento parece que a bola está colada na chuteira.

Nos treinos abertos aos jornalistas em Ezeiza, na pré-temporada que a Argentina está realizando para o Mundial, vimos o Messi franzino e baixinho fazer coisas diferentes, únicas, e até “sobrenaturais”, como se atreveu a dizer o defensor do Barcelona Mascherano na primeira coletiva da seleção, “estamos falando de um jogador que nos acostumou nos últimos cinco anos a fazer coisas sobrenaturais”, por isso falam tanto da defesa argentina, porque ele “é diferente, faz coisas que ninguém faz nem fez”. Dias mais tarde, Demichelis (Manchester City) disse sorrindo, “não há nenhum Messi na defesa”.

E parece ser verdade, não sei se é sobrenatural, o que está claro é que é diferente, bonito, uma estranha forma de carinho pela bola. Mas muitos, entre os quais estou incluído, nos perguntamos se será este o Mundial da consagração, não como jogador, ele faz parte do planeta bola, mas sim da consagração interna, nacional, no seu país, na Argentina, no “potrero” onde os moleques correm com a camisa argentina com o seu nome estampado.

Quando a seleção argentina entrar em campo no domingo, 15 de junho, às 19h, será um dia especial, como disse há mais de duas décadas o slogan de uma rádio argentina: “Hoje não é um dia qualquer, hoje joga a seleção”. Por isso, as famílias argentinas se reunirão em frente à TV para ver o seu “país” jogar. E será pela TV.

Mas antes, muitos argentinos terão passado um dia em família, porque no país se comemora nesse domingo o “dia dos pais”, e como já ouvimos várias vezes nos últimos dias, o melhor “presente” seria um triunfo e estar no Maracanã. No mítico estádio haverá alguns argentinos, os que conseguiram ingressos em concursos – houve muitos – na venda tradicional ou na candonga e revenda, se fala de até 10 mil pesos (aproximadamente R$ 3200).

O que resta saber é se o Messi fará alguma coisa “sobrenatural” que o catapulte definitivamente como um herói argentino ou será mais um Mundial para o jogador. É uma dúvida, tomara se faça realidade e, no fim, a “Pulga” brilhe no campo do vizinho, do inimigo, da sogra. Até onde e em que campos pode brilhar, ainda é prematuro saber, mas já se sonha no país que no Maracanã (Bósnia), Mineirão (Irã) e Beira Rio (Nigeria), alguma coisa “sobrenatural” saia dos seus pés.

Fernando Carlos Moura, nascido em Escobar, província de Buenos Aires, é jornalista desde 1990. Trabalhou em diversas rádios, jornais e emissoras de TVargentinas. Na Europa, trabalhou na SIC, TVI e RTP2 de Portugal e cobriu diversos campeonatos internacionais pela MediaPro/MediaLuso na Europa e no Golfo Pérsico.


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