Copa sem Maradona não é igual, mas no Brasil é até parecido
UOL Esporte
Por Fernando Moura*
Desde pequeno o futebol é parte da minha vida. Lembro-me vagamente de sair a comemorar com a família, bandeira de plástico em mão, o Mundial de 1978 que a Argentina ganhou no Momunental de Nuñez com aquele gol do Mário Kempes.
Aos poucos fui entendendo algo de futebol. Comecei a ir ao estádio ver o Boca Juniors com o meu pai. O primeiro jogo foi na Bombonera de Buenos Aires no campeonato “Metropolitano” de 1981. Maradona vestia a camisa 10. Depois desse dia, tudo mudou.
No ano seguinte, veio a primeira TV a cor que o meu pai comprou uns dias antes do início da Copa de 1982, na Espanha. Lembro de sair correndo da escola ao meio-dia para chegar em casa e ver os jogos que começavam quando soava a campainha do fim da aula. E, claro, ver o Maradona jogar.
Na final da Copa do Mundo de 1986, deixamos a minha mãe praticamente sozinha no hospital com a minha avó – havia nascido na noite anterior a caçula da família. Mas era justificado. Irmã ia ter o resto da vida, já a final do Mundial com o “barrilete cósmico” – leia-se Diego Armando Maradona –, quem sabia se repetiríamos.
E repetimos na Itália em 1990. Mundial sofrido, equipe ruim, país dividido porque a comunidade italiana – há quem diga que metade da Argentina tem costela italiana – não sabia por quem torcer. E final de novo, e de novo Alemanha, e Maradona machucado, e sofrimento, quanto sofrimento.
Uns meses mais tarde, a decepção. Diego apanhado no antidoping e fora dos campos. A eliminatória para a Copa dos Estados Unidos foi uma vergonha e entramos na repescagem depois de perder por 5 a 0 contra a Colômbia em Buenos Aires. E outra vez a ilusão: Maradona voltava ao futebol para disputar os jogos contra a Austrália. Passamos e fomos ao Mundial. Na primeira fase demos show, “El Pibe” vibrou, e outra vez a decepção…
Os seguintes mundiais foram interessantes, mas nada demais. Na França, em 1998, realizei dois sonhos: trabalhei com o locutor que imortalizou Maradona como “barrilete cósmico” e com o próprio como comentarista. A empolgação já não era a mesma, mas ele ainda estava por perto.
Dali para frente trabalhei muito no mundo do futebol e em eventos Fifa e até parece que o misticismo do Mundial passou. A paixão parece que minguou, já não era igual, até que com a chegada de Maradona a técnico da seleção nas sofridas eliminatórias para a África do Sul o sentimento voltou e a força e a vontade de ser campeão do Mundo regressou. Em 2010 caímos, mas de pé.
Agora, em 2014, para ver o Maradona, só acompanhando a Copa pela TeleSur da Venezuela, emissora para a qual ele trabalhará como comentarista. Mas parece que os argentinos da minha geração sinalizam ter encontrado empolgação semelhante frente a um novo desafio. O desafio de jogar um Mundial quase em casa. Mas a casa é, na verdade, a da sogra, do sogro, do irmão da namorada, do vizinho chato, daquele que se louva com razão de ser o maior campeão da história.
Difícil explicar, difícil porque no Brasil argentino sofria em jogos da Libertadores, duros, difíceis, tardios por causa da novela, em campos largos e compridos de gramado alto, com juízes “locais”. Foram façanhas imensas de times argentinos, e decepções de iguais dimensões.
Este Mundial é diferente, é o Mundial que todo argentino sonhou, que toda a Argentina há 8 anos diz que quer assistir, que quer ir, que quer cantar, mas será também o Mundial de poucos, porque não há ingressos, porque são poucos os que terão a hipótese de gritar dentro do campo. Talvez seja o Mundial da participação cidadã. Porque muitos deverão ir ao Brasil para sentir o clima, sentir como é possível ser “local” na terra do vizinho, cruzando a fronteira de bandeira em punho não para conquistar, mas sim para ganhar.
No meu caso, por essas loucuras do destino, assistirei a um jogo da “albiceleste” em campo, na arquibancada. Sim, quase na candonga. Em uma sorte imensa, na loucura do melhor amigo, decidimos que compraríamos, às cegas, o jogo F4 x F1. Sim, esse. E no sorteio da Costa do Sauípe deu Nigéria X Argentina, em Porto Alegre. Lá estaremos porque “Oid, Mortales, El grito sagrado” (Ouvi, mortais, o grito sagrado, o primeiro verso do hino nacional argentino).
*Fernando Carlos Moura, nascido em Escobar, província de Buenos Aires, é jornalista desde 1990. Trabalhou em diversas rádios, jornais e emissoras de TVargentinas. Na Europa, trabalhou na SIC, TVI e RTP2 de Portugal e cobriu diversos campeonatos internacionais pela MediaPro/MediaLuso na Europa e no Golfo Pérsico.