Planeta Copa

Arquivo : Alemanha

Argélia precisa do espírito de 82 para lutar contra seu Golias
Comentários Comente

UOL Esporte

Omar Almasri*

Uma revanche por 1982: é disso que se trata para a Argélia o confronto desta segunda-feira contra a poderosa Alemanha. A seleção conhecida como “Raposas do Deserto” (Le Fennecs, em francês) e dirigida por Vahid Halilhodzic avançou às oitavas de final desta Copa do Mundo depois de um empate contra a Rússia, feito inédito para o futebol do país e que não acontecia para uma seleção árabe há 20 anos. O que faz com que a excitação e ansiedade esteja em intensidade máxima não só para os argelinos, mas, de certa forma, para todo mundo árabe.

A Argélia é a única representante árabe a ter chegado tão longe numa Copa do Mundo, o que é um motivo de imenso orgulho para qualquer torcedor árabe. O confronto diante da tricampeã mundial Alemanha pode parecer desequilibrado no papel, mas não para aqueles familiarizados com a história deste duelo. A Argélia pode provar que não será presa fácil para um dos favoritos do torneio.

1982, o ano em que a Espanha realizou a 12ª edição da Copa do Mundo. Um torneio recheado de surpresas e decepções, como aconteceu com a anfitriã do Mundial, que teve um desempenho medíocre e que manchou um pouco a empolgação com a competição. Foi nesta Copa que a Argélia teve a sua primeira grande participação nos principais palcos do futebol mundial. Essa inexperiência fez com que muitos imaginassem que os garotos da seleção fossem mais cedo para o chuveiro. Ledo engano. A seleção argelina era uma equipe talentosa, que contava com jogadores como Rabeh Madjer e Lakhdar Belloumi, os melhores do elenco e que poderiam fazer a Argélia provocar um impacto bastante positivo.

Logo na estreia, a Argélia enfrentou a assustadora Alemanha Ocidental, uma das melhores seleções do mundo e que contava com alguns dos melhores jogadores de sua geração, como Karl-Heinz Rumenigge, Paul Breitner e Lothar Matthäus. Era um 16 de junho, e o estádio Molinón, em Gijón, recebeu 42 mil torcedores. Enfrentar uma equipe tão magnífica em um palco como aquele parecia ser uma missão dura demais para a equipe. O técnico da Alemanha, Jupp Derwall, chegou a dizer que, caso sua seleção perdesse, entraria no primeiro trem disponível para Munique. Um jogador alemão chegou a afirmar: “dedicaremos o sétimo gol para nossas mulheres, e o oitavo para os nossos cachorros”. Mas, apesar de todas as ridículas e deselegantes manifestações de desdém, Madjer e cia. fariam todos que duvidavam deles a comer uma porção de kanafeh (um famoso prato árabe).

Depois de um primeiro tempo sem gols, Madjer – que depois seguiria para o grande Porto e marcaria o memorável gol do título da equipe portuguesa na Liga dos Campeões de 1987 -, chocou a todos que estivessem assistindo ao jogo, ao colocar as “Raposas do Deserto” na frente, aos 9 minutos do segundo tempo. Rumenigge empataria para a Alemanha, mas um minuto depois, Belloumi selaria uma das maiores zebras da história . Vitória de 2 a 1, e não para a poderosa Alemanha Ocidental, mas para os subestimados, azarões, mas determinados e talentosos jogadores da Argélia. Um resultado que viverá por muito tempo na memória de qualquer argelino ou árabe em geral, mas que perderia o seu sentido apenas uma semana depois.

Um dia depois que a Argélia venceu o Chile por 3 a 2, Alemanha Ocidental e Áustria se enfrentaram. Sendo que a Copa de 1982 era disputada de forma que as duas últimas partidas de cada grupo da primeira fase não eram realizadas simultaneamente e as vitórias valiam dois, e não três pontos, alemães e austríacos foram para o jogo sabendo que uma vitória da Alemanha por um ou dois gols classificaria ambos, eliminando a Argélia. O ponto de partida para que ocorresse um dos jogos mais infames e escandalosos da história das Copas: a “Desgraça de Gijón”.

Assim que o jogo começou, a Alemanha Ocidental se atirou ao ataque e conseguiu um gol aos 10 minutos, com o atacante Horst Hrubesch. Depois disso e até o final, porém, as duas equipes ficaram apenas passando a bola de um lado a outro sem a menor intenção de atacar o seu adversário. Mas o que estava acontecendo ficou logo muito claro para quem estava assistindo a partida: aquilo era um esquema pré-concebido para que as duas seleções se classificassem, em detrimento da Argélia. Um jogo que deixará a infâmia marcada para sempre, tanto que até torcedores alemães queimaram a bandeira nacional, tamanha a frustração e decepção com o que ocorrera. O jogo havia terminado logo aos 10 minutos do primeiro tempo, e a Argélia estava eliminada da Copa.

Aqueles que acompanharam a Copa do Mundo ao longo dos anos passaram a saber que aquilo, um momentos mais baixos e lamentáveis da competição, e os argelinos – especialmente os que estiveram em campo naquele dia – nunca se esqueceriam do que se passou em Gijón.

“Alemães e austríacos obviamente jogaram para assegurar que nós (argelinos) não avançássemos, e agora o time atual tem a chance de nos dar uma revanche”, afirmou o meia Lakhdar Belloumi ao jornal inglês “The Guardian”. “O que aconteceu não irá pressioná-los, vai, sim, inspirá-los”. Para os argelinos, é um jogo de revanche e retribuição para o que lhes foi tirado a força há 32 anos.

Assim como ocorreu naquela ocasião, as “Raposas do Deserto” vão como azarões para o confronto contra um gigante e favorito. Mas como a Argélia de 1982, a atual seleção possui jogadores talentosos que não podem ser subestimados, como a estrela Sofiane Feghouli, do Valencia, e Yasine Brahimi, o coração da equipe, que têm a companhia do grande Islam Slimani, que com sua cabeçada contra a Rússia levou a equipe adiante na Copa. Além do enérgico zagueiro Faouzi Ghoulam e o promissor Nabil Bem Taleb, do Tottenham.

Jogadores talentosos que vão encarar um hercúleo desafio contra uma equipe que tem estrelas consagradas como Ozil, Lahm e Müller. Mas assim como seus antecessores fizeram, grandes nomes não importam muito no futebol. Coração, coragem e determinação podem superar eventuais deficiências, e isso esta Argélia tem em abundância. Tudo o que eles precisam é olhar para trás e resgatar o espírito dos jogadores de 1982. Lutar contra quem foi o Golias do seu passado. Se eles forem fundo, o impossível poderá se tornar possível. É preciso o espírito daquele time, a determinação de 1982. Se eles conseguirem isso, a poderosa Alemanha terá uma briga dos infernos em suas mãos.

*Omar Almasri é jornalista jordaniano-palestino e já colaborou com o The New York TImes, Al Jazzera, Oman Times, Sabotage Times e FourFourTwo.com.


Parece que é pedir muito para a Alemanha vencer no Brasil
Comentários Comente

UOL Esporte

Por Susie Schaaf*

Quando o Grupo G foi anunciado – Alemanha, Portugal, Estados Unidos e Gana -, muitos o consideraram difícil para os alemães, mas totalmente administrável. O consenso no país não era “será que a ‘Mannschaft’ vai passar?”, mas sim quem passaria em segundo lugar, atrás dela. Mas, depois que tantos jogadores-chave perderem sua posição por estarem lesionados ou recém-recuperados, Joachim Löw assume o leme de seu quarto grande torneio com opções perigosamente escassas em algumas posições muito importantes.

Só Miroslav Klose, da Lazio, foi convocado na função de autêntico atacante. E o veterano Klose, de 35 anos, perdeu muitos jogos da temporada da Série A, só conseguindo fazer oito gols e cinco assistências.

Não quer dizer que Klose tenha perdido o rebolado, mas a marcha inevitável do tempo o está alcançando. Com o mesmo número de gols marcados pela Alemanha que o “der Bomber” Gerd Mueller – 68 – ele está apenas a dois de ultrapassar o recorde do brasileiro Ronaldo pela seleção brasileira. Löw está assumindo um risco ao incluí-lo, mas a recompensa – caso o veterano consiga jogar – será espetacular.

Se estivéssemos falando apenas da posição de atacante, talvez não fosse um problema muito grande, mas olhando um pouco mais atrás, é lá onde estão os verdadeiros problemas que, sanados, serão soluções fantásticas. Lahm, Schweinsteiger e Khedira se recuperaram fisicamente ou de lesões apenas durante a fase de preparação. Sem um deles, a Alemanha começaria com Toni Kroos, do Bayern de Munique, e Christoph Kramer, do Borussia Moenchengladbach, no meio campo. O primeiro não tem uma verdadeira mentalidade de defesa, enquanto o último tem apenas um jogo pela seleção.

Minimizando a possível perda de jogadores-chave, Löw e o diretor geral Oliver Bierhoff preferiram instituir uma necessidade de “espírito de equipe”. Eis um exemplo: na concentração na Bahia, local de treinamento no Brasil, os jogadores ficarão em seis em cada quarto – promovendo a camaradagem na delegação.

“Sempre que vamos a um torneio chegamos lá com a intenção de ganhar, independentemente da situação da equipe”, disse Löw em entrevista recente. E parece que neste momento as peças-chave Neuer, Lahm,  Khedira e Schweinsteiger estão prontos para contribuir.

A revolução da Alemanha até chegar a seu estilo moderno de futebol começou em 2000, depois que a seleção foi chutada da Eurocopa naquele verão em um grupo que tinha a Inglaterra, Romênia e Portugal. E embora ela tenha chegado à final da Copa do Mundo de 2002 contra o velho inimigo Brasil – perdendo de 2 a 0 – mudanças amplas em todo o seu sistema futebolístico estavam em andamento. Essas mudanças ainda não dariam frutos na Eurocopa de 2004, quando a Alemanha foi novamente mandada para casa depois da etapa dos grupos com a República Tcheca e a Holanda à sua frente, mas as coisas começaram a mudar para a seleção alemã em 2006.

Talvez isso tenha se dado porque a Alemanha era anfitriã do torneio, ou talvez porque o técnico na época, Juergen Klinsmann, com seu assistente Löw, tomaram decisões ousadas em relação à equipe nos dois anos anteriores, mas a jovem seleção alemã – que ninguém achava que faria alguma coisa – conseguiu ficar em terceiro.

A Eurocopa de de 2008 viu a Alemanha perder por pouco da Espanha, 1 a 0, na final, e mais uma vez dois anos mais tarde na semifinal na África do Sul, eventualmente ficando em terceiro lugar. O ano de 2012 teve a Alemanha no mesmo terceiro lugar depois de perder a semifinal para a Itália.

Embora o sistema juvenil da Alemanha esteja firmemente estabelecido – com muitos jovens talentosos fazendo carreira, prontos para assumir os lugares dos mais velhos ou mal condicionados, a Copa de 2014 no Brasil deveria ter sido o momento para a Alemanha brilhar. E ainda pode ser, se Löw conseguir encontrar uma forma de unir sua equipe de jovens talentosos e veteranos lendários. Mas isso é pedir muito jogando na América do Sul — onde nenhuma equipe europeia venceu um torneio — e no Brasil… contra o Brasil e a seleção empolgante de Luiz Felipe Scolari.

Susie Schaaf é jornalista alemã e escreve para o ESPN FC, BBC e outros veículos especializados em futebol.


< Anterior | Voltar à página inicial | Próximo>