Planeta Copa

Portugal precisava da revolução de Quaresma para a Copa

UOL Esporte

Por Luís Aguilar*

O tema tem dominado a convocação da seleção portuguesa. Ricardo Quaresma volta a ficar fora de um Mundial. Pela quarta vez consecutiva na sua carreira. Agora, foi Paulo Bento que preferiu deixar em casa o extremo do Porto. O mesmo já tinha acontecido com Antônio Oliveira (2002), Scolari (2006) e Carlos Queiroz (2010).

Aos 30 anos, esta era a última oportunidade que Quaresma tinha para representar Portugal na competição mais importante do Mundo. Começou a temporada no Al Ahli, dos Emirados Árabes Unidos, e parecia estar em período de pré-reforma para ganhar uns bons milhões antes de pendurar as chuteiras. Mas, no mercado de inverno, o “Harry Potter” do futebol português (alcunha pela qual é conhecido pela magia do seu jogo) voltou ao Porto para relançar a carreira e tentar ficar entre os 23 escolhidos de Paulo Bento.

Os dragões – apelido do Porto – realizaram a pior época dos últimos 30 anos, mas Quaresma foi o destaque do time. O único elemento capaz de remar contra a maré e fazer a diferença num plantel desmotivado. Tornou-se, rapidamente, a estrela dos dragões, mas nem o seu gênio impediu que o Porto terminasse a temporada sem qualquer título e com vários resultados humilhantes. Ainda assim, as suas apresentações foram suficientes para que Paulo Bento o incluísse entre os 30 pré-convocados. Parecia que era desta vez. Finalmente, o cigano mais famoso de Portugal teria oportunidade de mostrar as suas famosas trivelas na Copa do Mundo. Mas na segunda-feira passada ficamos a saber que novamente não seria desta vez. Paulo Bento deu a entender que Quaresma não tem a força emocional que ele procura noutros jogadores. E preferiu convocar Nani e Vieirinha, dois extremos muito pouco utilizados nos seus clubes durante esta temporada. Com Quaresma na convocação, iriam sempre ser levantadas questões sobre a mais do que provável titularidade de Nani. Assim, Paulo Bento prefere matar o problema pela raiz e não ter de ser confrontado com esta opção quando estiver no Brasil. Uma decisão esperada, mas polêmica.

Hospital de campanha

O selecionador português tem uma característica comum às de Scolari: é conservador nas escolhas e não abdica dos seus preferidos, mesmos quando estes estão com pouco ritmo competitivo, como Nani e Hélder Postiga. Os dois deverão ser titulares no ataque juntamente com Cristiano Ronaldo. Mas Nani pouco ou nada jogou no Manchester United e Postiga, a serviço da Lazio, esteve lesionado grande parte da temporada. O seu nome engrossa uma lista de jogadores que estão com problemas físicos e que, neste momento, fazem da Seleção Nacional uma espécie de hospital de campanha.

Os feridos são muitos. Pior ainda: um deles é Cristiano Ronaldo. O capitão, a estrela da equipe, o Bola de Ouro. Luta contra uma lesão muscular quando ainda tem de jogar a final da Champions. Sem ele em condições, Portugal é uma seleção banal. Tem bons jogadores, fortes no processo defensivo, mas fica sem a força letal do seu homem mais perigoso. Neste momento, os portugueses estão em sobressalto. O melhor será deixar CR7 em total repouso até ao jogo inaugural com a Alemanha. E aqui volta a levantar-se o tema Quaresma: Cristiano pode não se recuperar bem, Nani não tem ritmo, Vieirinha pouco jogou e Varela fez uma temporada fraca, de acordo com quase todos os jogadores do Porto, à exceção de… Quaresma. O seu gênio, o seu repentismo, a sua criatividade e o poder no mano a mano poderiam ser armas fundamentais num ataque que se amargura entre os pouco utilizados e os lesionados.

Sobrinho-neto de um revolucionário

Quaresma vem de uma família de futebolistas e poderia ter sido o primeiro a vestir a camisola das quinas numa Copa do Mundo. Nenhum dos seus antecessores o conseguiu. Mas o seu tio-avô também chegou a internacional. Artur Quaresma representou Portugal em três ocasiões. Num desses momentos, desafiou o regime de Antônio Oliveira Salazar e esteve quase a ser encarcerado. Recuemos a 1938…

Salazar e Franco combinam um jogo de futebol entre as seleções de Portugal e Espanha. Uma forma de promover os dois governos fascistas através da força do desporto-rei. O jogo realiza-se a 30 de janeiro, no Campo das Salésias, em Lisboa. Portugal vence por 1 a 0, mas o episódio mais marcante acontece antes do apito inicial. Todos os jogadores portugueses fazem a saudação fascista. Todos… menos três atletas do Belenenses: Artur Quaresma, Mariano Amaro e José Simões. A história é contada no livro “Desporto com Política” (2011), do jornalista António Simões: “Quaresma deixou-se ficar em sentido, Simões e Amaro levantaram os braços, mas em vez de abrirem a mão em palma, cerraram os punhos, dando ao gesto sentido bem diferente – e a censura obrigou a revista Stadium a publicar a fotografia, com uns dedos pintados, espetados, em lugar das mãos fechadas.”

Os três jogadores são interrogados pela PIDE. Quaresma encontra uma desculpa para não ser preso. “Não dei por nada, estava distraído.” Mas o gesto de Amaro e Simões não deixa espaço para outras interpretações. Ficam encarcerados 15 dias. “Eu ia lá visitá-los, mas avisaram-me que não aparecesse mais porque os polícias não estavam nada convencidos da minha inocência e diziam: ‘Esse Quaresmita também devia cá estar.’”Amaro e Simões temeram o pior, mas acabaram por ser libertados devido ao peso que o Belenenses tinha naquela época por causa de figuras influentes como os políticos Américo Tomás e Henrique Tenreiro. O momento ficou conhecido como a “Rebeldia das Salésias” e os três jogadores seriam os primeiros homens do futebol a furtarem-se à saudação fascista do Estado Novo.

Artur fez uma carreira bem mais modesta do que o seu sobrinho-neto, mas está na história do desporto português. Ricardo herdou da família o espírito revolucionário. Tem o coração perto da boca, explode com facilidade e cai com frequência em casos de indisciplina. Mas também é um rebelde dentro de campo. Um jogador capaz de pintar um quadro diferente, longe da monotonia. Nega-se a ser “mais do mesmo”. Inventa, constrói e tenta. Por vezes, falha. Mas o seu inconformismo fazia muita falta a uma seleção que vai viajar para o Brasil com um ataque repleto de curativos e infiltrações.

*Luís Aguilar é jornalista e escritor português. Tem trabalhado em diversos jornais, revistas e televisões, destacando-se o jornal Record, Correio da Manhã, revista Sábado, Playboy, CMTV e SIC. Também é autor de vários livros sobre futebol, entre os quais o recente “Jogada Ilegal”, sobre a corrupção na FIFA. No Twitter, @LuisAguilar__