Uma certa dose de realidade ajuda o ‘algo mais’ da Inglaterra
UOL Esporte
Por Dominic Fifield*
À primeira vista, nada mudou. As bandeiras estão sendo desdobradas e o pó retirado, os hinos dúbios, todos presumivelmente gravados em um ritmo de samba cativante. Os bares estão obtendo licença para ampliar o horário de funcionamento para que os torcedores ingleses possam assistir às transmissões ao vivo tomando uma cerveja. A seleção inglesa carrega novamente as esperanças da nação ao se aventurar na Copa do Mundo. Há otimismo, há expectativa, há empolgação mas, desta vez, também há algo mais. Realismo.
Se antes o time da Inglaterra, que chegou a uma única semifinal desde que conquistou a taça em casa em 1966, invariavelmente viajaria com muitos convencidos de que poderiam voltar campeões, desta vez são poucos que sonham tão alto. Ninguém antecipa a Inglaterra vencendo todas as partidas em Manaus, Belo Horizonte e São Paulo. Alguns se perguntam publicamente até mesmo se a equipe de Roy Hodgson passará da fase de grupos.
Afinal, há o clima a considerar, em particular a perspectiva de enfrentar a Itália na quente e úmida Amazônia, com lembranças ainda frescas do monopólio embaraçoso da posse de bola pela Azzurra contra a Inglaterra na Euro 2012, em Kiev. Também há a percepção de que as equipes europeias tendem a tropeçar na América do Sul, então por que seria a Inglaterra a mudar essa tendência em particular? E há o reconhecimento que a Inglaterra passa por um período de transição e, com toda honestidade, longe de demonstrar exuberância a esta altura. Tudo isso normalmente deixaria a nação um tanto apreensiva diante do que a espera, especialmente à medida que os fiéis que seguem The Three Lions (Os Três Leões), como regra, também não toleram a perspectiva de humilhação.
Mesmo assim há uma empolgação sobre o que virá no Brasil, tanto em relação ao próprio torneio quanto à participação da Inglaterra. Enquanto antes o futuro parecia tão sombrio após aquele empate sem gols e a eliminação nos pênaltis na Ucrânia há dois anos, toda a conversa de falta de surgimento de talentos locais e jogadores estrangeiros medianos demais entupindo os espaços na Premier League, agora há uma ansiedade por uma nova geração que deixe sua marca. Como que saindo do nada, Hodgson parece repleto de opções, principalmente no ataque. Há jogadores surgindo que parecem empolgar, atacantes com o tipo de habilidade e entusiasmo de arregalar os olhos normalmente associados aos talentos produzidos em série nos países latino-americanos. É tudo nervosamente encorajador.
Parte do ímpeto nasce do mesmo renascimento inglês sendo desfrutado por times como o Liverpool e Southampton nesta temporada. Estes clubes se organizaram em torno de um núcleo de jogadores ingleses a ponto de obrigar Hodgson a exigir ingressos de temporada para Anfield e St. Mary's ao longo da Premier League. Em Merseyside, o capitão de sua seleção, Steven Gerrard, contribuiu para o progresso de Daniel Sturridge –o atacante produtivo– do enérgico meio-campista Jordan Henderson e do extravagantemente talentoso Raheem Sterling. No sul, há muito o que admirar nas incursões de Adam Lallana no meio campo, da história de Rickie Lambert, um artesão que conseguiu ser bem-sucedido, ou a ascensão de Luke Shaw como um lateral esquerdo galopante com um futuro imenso. O atacante Jay Rodriguez também disputaria a convocação, caso não tivesse rompido os ligamentos do joelho no início de abril, sendo obrigando a ficar fora de jogo por até seis meses para recuperação.
Estes são jogadores ingleses que prosperam em um campeonato nacional que, por muito tempo, esteve obcecado com o recrutamento no exterior em vez de fomentar seus próprios jogadores. Esses dois clubes têm atraído o foco, mas jovens brilhantes estão brotando por toda parte. No Everton há Ross Barkley, autor de um gol contra o Newcastle no mês passado digno de Paul Gascoigne. Jack Wilshere demonstrou lampejos de sua habilidade quando esteve livre de lesões no Arsenal, Danny Welbeck parece mais à vontade jogando pela Inglaterra do que no Manchester United, enquanto jogadores como Alex Oxlade-Chamberlain –autor de um gol no Maracanã no ano passado– Andros Townsend e Andy Carroll deixaram uma boa impressão. A próxima safra inclui Wilfried Zaha, Saido Berahino e Thomas Ince, atacantes que certamente deixarão sua marca no futuro próximo. Todos estes são jogadores tecnicamente hábeis, fortes e espertos, mas também com uma boa dose de talento.
A meia hora final da vitória da Inglaterra no amistoso contra a Dinamarca, em março, teve Shaw, Lallana, Sterling, Sturridge, Henderson, Oxlade-Chamberlein, Welbeck, Townsend e Chris Smalling, todos no banco de reserva. Lallana era o mais velho, com 25. Se a espinha dorsal da equipe de Hodgson em Manaus será experiente –de Joe Hart a Wayne Rooney, de Gerrard a Gary Cahill– e há preocupações na defesa, então aqueles que correm por fora ainda têm uma chance de brilhar. ''Eu gosto de pensar no momento que o futuro parece relativamente promissor'', disse Hodgson. ''Hoje nós temos mais alternativas do que tínhamos há um ano e muito mais flexibilidade com os jogadores que estão surgindo, o que nos dará uma chance de jogar com formações ligeiramente diferentes.''
A Inglaterra não deverá ser tão previsível quanto foi acusada em finais recentes. Ela poderá mudar seu jogo, caso queira uma maior velocidade e um jogo mais aberto, ou se precisar de mais habilidade pelo centro. A nação está intrigada para ver como a nova safra se sairá, ao mesmo tempo que reconhece que ela precisará de tempo para exibir suas qualidades. Esta Copa certamente será a última de Gerrard, Frank Lampard e Ashley Cole – se os últimos dois forem convocados– e a impressão que deixam será apreciada. Mas são os novos garotos no pedaço que estão atraindo atenção de fato e, desta vez, a Inglaterra conta com jogadores dignos de toda a empolgação.
Cinco ingleses para ficar de olho…
Ross Barkley
Idade: 20
Clube: Everton
Convocações: 3
Recuperado de uma séria fratura na perna e chegando à equipe principal do Everton, após se beneficiar com empréstimos ao Leeds e Sheffield Wednesday, ele iluminou seu time no final do ano passado, quando seu talento criativo ficou claro e lhe valeu o reconhecimento na Inglaterra.
Jack Wilshere
Idade: 22
Clube: Arsenal
Convocações: 15
Há muito considerado chave para o futuro da Inglaterra, ele viu sua carreira ser atormentada por lesões no tornozelo. Voltando no final de 2013 e exibindo lampejos de boa forma, ele foi novamente atrapalhado por uma fratura no pé. Um fintador com grande visão e movimentação na posse de bola, ele conta com forte arrancada. Precisa marcar mais gols e deve provar que está em forma antes de seguir para o Brasil.
Raheem Sterling
Idade: 19
Clube: Liverpool
Convocações: 2
Convocado pela primeira vez pela seleção inglesa em novembro de 2012, ele voltou à cena em 2013/2014 com algumas partidas magníficas como parte do tridente de ataque do Liverpool. Pequeno, mas rápido e hábil, ele tem marcado mais gols.
Daniel Sturridge
Idade: 24
Clube: Liverpool
Convocações: 10 (3 gols)
Igualou um recorde de clube quando marcou em oito partidas consecutivas durante a temporada 2013/2014 e agora está exibindo sinais de repetir o mesmo desempenho na seleção. Ele aprendeu com seus erros e com uma oportunidade perdida no Chelsea no início de sua carreira, mas é rápido, habilidoso e tem uma paulada com o pé esquerdo.
Adam Lallana
Idade: 25
Clube: Southampton
Convocações: 3
Um produto do sistema de academia do Southampton, ele é um meio-campista que representou o clube da League One (terceira divisão) até a Premier League. Um jogador consistente ao longo de toda a campanha 2013/2014 sob comando de Mauriccio Pochettino, ele aliou gols a uma visão criativa.
*Dominic Fifield é jornalista britânico baseado em Londres e escreve sobre futebol para os jornais ''The Guardian'' e ''Observer''. No Twitter, @domfifield
Tradução: George El Khouri Andolfato